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Exposição no Parque Arqueológico de Pompeia lança luz sobre o cotidiano e os papéis sociais das mulheres na cidade antes da erupção do Vesúvio
Luiza Lopes Publicado em 08/06/2025, às 09h00
Em 79 d.C., a erupção do Vesúvio soterrou Pompeia sob cinzas vulcânicas, preservando ruas, casas, objetos e corpos. O desastre transformou a cidade romana em um arquivo arqueológico sem precedentes, congelando no tempo a vida cotidiana do Império.
Por séculos, essa história foi contada quase exclusivamente por homens, e o papel das mulheres permaneceu invisível. Agora, uma nova exposição no Parque Arqueológico de Pompeia busca preencher essa lacuna.
Intitulada “Ser mulher em Pompéia”, a mostra apresenta cerca de 400 objetos e reconstruções digitais, com foco em personagens reais que viveram na cidade. São mulheres de diferentes classes sociais: aristocratas, sacerdotisas, empreendedoras, escravas, artesãs e profissionais do sexo.
Segungo informações divulgadas pelo parque arqueológico, a exposição está dividida em dois eixos: “imagens” e “objetos”. Afrescos mostram mulheres em atividades cotidianas — como o ritual matinal de cuidados com a aparência, com ajuda de criadas, que lavavam, penteavam e maquiavam suas patroas.
Vários utensílios pessoais foram encontrados em casas da cidade: espelhos de bronze, pinças, pentes, potes de cosméticos e instrumentos ginecológicos, como espéculo e fórceps. As tarefas domésticas também aparecem com destaque. Muitas mulheres gerenciavam a casa, educavam os filhos, controlavam as finanças e supervisionavam escravizados. Casadas eram responsáveis por organizar casamentos das filhas.
A presença de fusos, pesos de tear, roca e carretéis em diversas residências indica que mesmo mulheres ricas participavam ativamente da fiação e da tecelagem — tarefas vistas como sinal de virtude feminina. Há também brinquedos infantis, como bonecas de madeira e marfim, além de tabuletas com inscrições que mostram o ensino de leitura e escrita a meninas. Um conjunto de chaves encontrado em várias casas é interpretado como símbolo da autoridade feminina sobre o lar.
Um dos destaques da mostra é uma escultura recém-descoberta na necrópole de Porta Sarno. Ela mostra uma mulher e um homem lado a lado em um túmulo, ambos com trajes e símbolos que indicam alto status social. A mulher, ligeiramente mais alta, usa vestes tradicionais, um pingente ligado à fertilidade e segura um ramo de louro, típico de sacerdotisas — sugerindo que teria sido uma figura religiosa importante, possivelmente ligada ao culto de Ceres.
A ausência de contato físico e os elementos simbólicos indicam que ela pode ter sido retratada por mérito próprio, não como esposa do homem. A descoberta reforça a ideia de que mulheres, mesmo na Roma antiga, podiam exercer papéis de poder e prestígio social, desafiando interpretações arqueológicas tradicionais.
A exposição apresenta oito figuras femininas associadas a espaços públicos e privados preservados em Pompeia, como casas, túmulos e estabelecimentos comerciais. Juntas, revelam uma diversidade de experiências marcadas por origens sociais distintas, evidenciando papéis mais amplos do que os tradicionalmente atribuídos às mulheres na Antiguidade. Confira:
Amaryllis foi uma mulher escravizada que viveu e trabalhou na Pompeia do século I, subordinada ao domínio de Marcus Terentius Eudoxus, proprietário de uma casa situada na movimentada Via della Fortuna Augusta.
Seu nome sobrevive em grafites encontrados no peristilo dessa residência, espaço transformado em oficina têxtil (textrinum) após o terremoto de 62 d.C. A inscrição revela não apenas sua função no trabalho com lã, mas também insinua que ela pode ter sido forçada à prostituição, prática comum a muitas mulheres escravizadas na Roma antiga.
Asellina era proprietária de um thermopolium (espécie de bar ou restaurante) em uma esquina movimentada de Pompeia. Do balcão de alvenaria, comandava o negócio com eficiência, servindo bebidas e alimentos aquecidos em grandes recipientes de terracota embutidos na estrutura do balcão.
Seus negócios eram tocados com a ajuda de três assistentes, também mulheres (Zmyrina, Aegle e Maria), que inclusive participavam da vida política local. Inscrições nas paredes do estabelecimento mostram que pediam votos para um candidato a edil (um tipo de oficial municipal responsável por prédios públicos).
“As garotas de Asellina pedem que você vote em Gaius Lollius Fuscus para edil. E Zmyrina é uma delas", diz o cartaz.
Eumachia foi uma das figuras femininas mais proeminentes da Pompeia do século I d.C., símbolo raro de poder, riqueza e visibilidade num mundo predominantemente masculino.
Filha de Lucius, um importante fabricante de ânforas e tijolos, herdou do pai o espírito empreendedor. Casou-se com um latifundiário da região dos Apeninos lucanos e, a partir daí, consolidou sua posição ao criar um próspero negócio de produção e beneficiamento de lã, um dos setores mais relevantes da economia pompeiana.
Diferente da maioria das mulheres de sua época, Eumachia utilizou sua fortuna não apenas para consolidar seus interesses privados, mas também para marcar presença no espaço público. Entre os anos 2 e 3 d.C., financiou, com recursos próprios, a construção de um edifício monumental no Fórum da cidade.
A edificação não só exaltava o imperador Augusto e sua esposa, Lívia (modelo de virtude e influência para as mulheres da elite romana), mas também projetava a imagem de Eumachia como uma cidadã exemplar e benfeitora. A inscrição na entrada registra orgulhosamente seu nome e o de seu filho, Marcus Numistrius Fronto, revelando uma clara intenção de fomentar a carreira política da família.
Além de empreendedora e patrona, Eumachia ocupou o prestigiado cargo de sacerdotisa pública em Pompeia — uma posição rara e concedida a poucas mulheres.
Em reconhecimento por sua importância, os fullones (os trabalhadores do setor de lã) lhe dedicaram uma estátua velada, que ficava em uma cripta nos fundos do edifício que ela mandou construir. Era um gesto de gratidão e também uma afirmação do vínculo entre o trabalho e o prestígio feminino, num cenário urbano e produtivo.
Sua fama, cuidadosamente cultivada em vida, foi perpetuada também na morte. Seu túmulo, erguido na necrópole da Porta Nocera, é o maior da cidade, projetado com base na forma semicircular das tomba a schola, mas ampliado e monumentalizado com nichos e relevos que lembram a arquitetura de palcos teatrais. Ali, seu nome está gravado com destaque, em afirmação inequívoca de propriedade, status e legado.
Eutychis foi uma jovem escravizada que viveu em Pompeia, na luxuosa casa dos irmãos Vettii — dois ex-escravos que ascenderam socialmente e enriqueceram. Sua rotina era exaustiva: saía ao amanhecer para comprar mantimentos e ava o dia na cozinha, um espaço abafado, escuro e cheio de fumaça.
Uma inscrição na entrada da casa indicava que ela estava “à venda”, o que sugere que, além das tarefas domésticas, era usada como escrava sexual. A grafia e a localização do grafite sugerem que servia também como anúncio público, algo comum em contextos de prostituição escravizada.
A arqueologia reforça essa interpretação: o quarto de Eutychis era isolado, ível apenas pela cozinha, e decorado com cenas eróticas — sinais de que o espaço era usado para encontros sexuais. Ele ficava nos aposentos destinados aos escravizados, longe dos ambientes de recepção, mas estrategicamente colocado para o uso privado dos donos e de seus convidados.
Flavia Agathaea foi uma mulher libertada que viveu em Pompeia e conseguiu garantir para si um raro sinal de prestígio: um túmulo monumental na necrópole fora da Porta Nocera, uma das principais áreas funerárias da cidade.
Sua sepultura segue um modelo arquitetônico incomum em Pompeia — uma fachada com nichos que abrigavam bustos — mas bastante difundido em Roma entre membros da classe libertina, composta por ex-escravizados que alcançaram alguma ascensão social.
O túmulo onde está enterrada contém um busto de tufo, com 34 cm de altura, identificado como sendo de Flavia Agathaea graças à inscrição gravada em sua base. O texto informa que ela era originária da região dos salinas (Saliniensis), o que pode se referir a uma localidade próxima às antigas salinas de Herculeae — entre o que hoje são Torre Annunziata e Castellammare di Stabia — ou a um bairro no noroeste de Pompeia.
Julia Felix foi uma mulher livre e empreendedora que viveu em Pompeia no século I d.C. Filha de Spurius, um homem de negócios bem-sucedido, herdou uma ampla propriedade que transformou em um centro multifuncional de renda e convivência. Seu praedium ocupava toda a insula II,4, um quarteirão inteiro próximo ao anfiteatro, e incluía uma casa com átrio toscano, jardins ornamentais, um parque, salas de estar e um balneário completo.
Após o terremoto de 62 d.C., quando os principais banhos públicos da cidade estavam danificados ou em obras, Julia teve a ideia de abrir ao público seus luxuosos banhos privados, aproveitando a escassez de espaços de lazer e higiene.
Assim nasceu seu negócio: banhos quentes, quartos para alugar no andar superior e lojas com balcões voltados para a Via dell’Abbondanza. Ela mesma mandou pintar, em letras vermelhas, o aviso de aluguel na entrada, para atrair os transeuntes.
Mamia, filha de Publius, foi uma mulher de destaque na sociedade pompeiana do século I d.C., conhecida por sua devoção cívica e religiosa. Nascida em uma família ilustre, ela aproveitou seus privilégios de origem para se tornar uma figura pública respeitada, não apenas por seu status, mas também pelas obras que realizou em benefício da cidade.
Seu gesto mais notável foi a construção, com recursos próprios, do primeiro templo dedicado ao culto divinizado do imperador Augusto em Pompeia, logo após sua apoteose em Roma. Doou o terreno onde antes ficava sua casa, bem no fórum, coração político e religioso da cidade.
Era um tipo de iniciativa que normalmente servia à ascensão política dos homens, mas Mamia, impedida legalmente de ocupar cargos públicos, encontrou na religião uma via de prestígio. Tornou-se sacerdotisa pública — um título raro entre as mulheres —, responsável pelos cultos de divindades centrais da cidade, como Vênus e Ceres.
Em reconhecimento por sua dedicação, os decuriones (membros do conselho da cidade) concederam-lhe um raro privilégio: um túmulo monumental construído em terreno público, logo após a Porta Ercolano. Trata-se de uma tumba schola, com um grande banco semicircular de tufo, mais de seis metros de largura, onde está inscrito seu nome.
Esse tipo de sepultura era reservado a cidadãos de enorme prestígio, tanto por seu formato quanto pela localização estratégica entre os muros da cidade e a estrada que levava para fora de Pompeia.
Nevoleia Tyche foi uma mulher de Pompeia conhecida por ter duas tumbas. Nasceu escrava de Lucius Nevoleius e, ao ser libertada, adotou o nome dele. Casou-se com Gaius Munatius Faustus, também liberto e membro de duas corporações, uma delas ligada ao culto do imperador.
O marido recebeu da câmara municipal um terreno fora da Porta Nocera, onde construíram a tumba que guarda suas cinzas. Nevoleia, porém, quis um memorial maior para mostrar que libertos podiam subir na sociedade. Mandou erguer, em vida, um monumento fora da Porta Ercolano, um cenotáfio decorado com símbolos do comércio e do privilégio público concedido ao marido.
A inscrição na fachada homenageia ambos e dedica o monumento aos seus escravos libertos. Nevoleia Tyche usou essas tumbas para afirmar sua ascensão social e deixar claro que, com esforço, era possível mudar seu destino mesmo começando como escravo.
A exposição também desta o papel de mulheres na própria redescoberta e conservação de Pompeia. Entre elas está Caroline Bonaparte, irmã de Napoleão e rainha de Nápoles, que visitou o sítio arqueológico em 1808 e se tornou uma de suas primeiras apoiadoras.
Ela financiou os projetos do diretor das escavações, Michele Arditi, e sugeriu medidas ousadas para a época: mobilizar tropas sas para acelerar as escavações, lançar um periódico mensal sobre as descobertas e numerar ruas e prédios da cidade antiga — ideia só implementada décadas depois.
Também ganha destaque Olga Elia, nascida em 1902, que construiu uma carreira sólida na arqueologia até assumir, em 1940, a direção das escavações de Pompeia. Sua atuação reforça a presença feminina na preservação e estudo da cidade, completando o arco histórico da mostra.
A mostra “Ser mulher em Pompéia” está disponível até o dia 31 de janeiro de 2026.